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Na Maydan no dia do início dos confrontos na rua Hrushevsky... |
A minha entrevista
sobre a situação na Ucrânia que foi publicada no semanârio moçambicano “Savana”,
№ 1050, páginas 10-11, "Internacional", de 21 de fevereiro de 2014.
- Há
quanto tempo vive em Moçambique? (idade, naturalidade, nacionalidade,
estado civil – com moçambicana ou ucraniana).
Mais
de 20 anos, tenho 39 anos de idade, sou natural da Letónia, moçambicano, casado
com uma cidadã portuguesa, que desde sempre vive em Moçambique.
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1968: é proibido proibir! |
- Que
faz em Moçambique?
Sou
professor no ensino médio e secundário, tradutor, activista da comunidade
ucraniana de Moçambique, blogueiro e cidadão.
- Como
é que acompanha a situação na sua terra natal (Ucrânia)?
Acompanho
geralmente através das redes sociais, pois são muito mais rápidas do que a
imprensa tradicional, são mais honestas e espontâneas, pois não seguem as
narrativas predefinidas dos governos ou grupos de pressão.
- Podemos
olhar para a crise na Ucrânia como uma disputa entre o bloco EU/EUA e
Rússia?
Não
podemos de maneira alguma. A Revolução ucraniana é um processo de nascimento de
uma nova nação política a a morte lenta e dolorosa das estruturas sociais, políticas
e ideológicas, herdadas do regime soviético.
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Na rua Hrushevsky no dia 20.1.2014 |
- Qual
é a natureza da crise? É um problema socioeconómico ou ideológico?
Ambos. Em termos
socioeconómicos, o regime actual não garante aos cidadãos o mínimo necessário, conhecido
como o “pacto social”. Muito pelo contrário, a família do presidente e os seus
amigos próximos praticam a verdadeira agiotagem da pior espécie, apoderando-se
por meios semi-legais ou mesmo ilegais das empresas e dos negócios alheios. Sem
maçar os leitores com exemplos detalhados, posso dizer que neste momento não
apenas as PME’s, mas mesmo os oligarcas ou magnatas ucranianos não se sentem salvos
dos apetites cada vez mais crescentes do Yanukovych e dos seus próximos.
Em
termos ideológicos, as coisas são bastante favoráveis à Revolução, mais de 52%
dos ucranianos apoiam o levantamento popular, apenas 15% são favoráveis ao uso
da força governamental para a resolução da crise.
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Com um sacerdote greco-católico ucraniano (da UGCC) |
- Como
avalia a reacção do Governo do Presidente Viktor Ianukovitch à revolta
popular na Ucrânia?
Como
a reacção desproporcional de um grupo criminoso que se preocupa com a perca dos
seus privilégios e não com os destinos da nação. Numa democracia efectiva o governo deveria se
demitir em bloco, marcando as novas eleições legislativas e presidenciais.
- Acha
que são verídicas as acusações de violência, detenções ilegais, sequestros
e desaparecimentos imputados ao Governo ucraniano?
Infelizmente,
o actual Governo ucraniano realmente mata (entre 67 à 100 manifestantes mortos
só no dia 20.2.2014); detêm as pessoas ilegalmente ou sob os pretextos forjados
(até recentemente o poder manteve entre 1700 à 2000 detidos); sequestra (entre 27
à 29 activistas desaparecidos); humilha publicamente (caso do manifestante
Mykhaylo Havrylyuk, totalmente despido e fotografado pela polícia); tortura, o
caso mais conhecido é do porta-voz da “Maydan Automóvel” (activistas que usam os
seus automóveis para apoiar a Revolução), Dmytro Bulatov, que foi raptado pela
polícia num hospital público, torturado durante cerca de 8 dias (cortaram lhe
uma parte da orelha, pregaram as palmas das suas mãos, etc.) e no fim libertado
nos arredores de Kiev.
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Dmytro Bulatov após as torturas, durante a sua recuperação na Lituânia... |
- Terá
sido directamente afectado por esses alegados atropelos? Familiar detido,
desaparecido ou em situação aflitiva pelo seu envolvimento nos tumultos?
A
minha família na Ucrânia não foi atingida directamente; apenas posso relatar que
na manha do dia 20 de Janeiro, em pleno luz de dia, assistindo os confrontos na
rua Hrushevsky, foi testemunha ocular em como a polícia de choque “Berkut” disparava
as balas de borracha e de plástico contra os jornalistas, fotógrafos, sacerdotes,
pessoal paramédico, as pessoas que claramente não participaram em nenhum tipo dos
confrontos. Em algum momento uma bala destes passou 2-3 metros ao meu lado...
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Na rua Hrushevsky no dia 20.1.2014 |
- Olha
para os confrontos na Ucrânia como a luta entre a liberdade (tese
defendida pelos protestantes nas ruas) e a tirania (alegadamente
personificada em Viktor Ianukovitch).
Vejo
a Revolução em curso como uma forte vontade dos ucranianos (de todas as idades
e de todas as regiões do país) de viver num país baseado no respeito pelos direitos
individuais, na superioridade das leis universais, etc. Por outro lado vejo um
restrito grupo de pessoas, ligado à família do presidente e em menor escala ao
seu partido, que são dispostos à tudo, incluindo de usar os serviços pagos dos criminosos
comuns (os famosos “titushki”), para agredir e amedrontar os seus concidadãos.
- Como
olha para o Presidente Viktor Ianukovitch? Alguns dizem que é um fantoche
de Vladmir Putin, mas outros consideram-no um patriota defensor dos
interesses ucranianos contra a ingerência ocidental.
O presidente Victor
Yanukovych não é nenhuma destas personagens imaginárias. Pequeno criminoso na
sua juventude (cumpriu dois termos prisionais efectivos por assalto e roubo dos
objectos pessoais), Yanukovych continua a viver numa mentalidade forjada pela
sua passagem pelo sistema prisional soviético. Usa e abusa do calão prisional, tem
uma cultura geral muitíssimo limitada (confunde constantemente os nomes,
cidades, personalidades), escreve com os erros ortográficos gritantes, etc. Ao
mesmo tempo, possui os instintos fortíssimos de sobrevivência e as capacidades
invulgares para o enriquecimento pessoal. A retórica antiocidental é usada para
conseguir as simpatias dos seus eleitores menos educados e mais incultos. Uma
parte considerável dos negócios da sua família (e dos parceiros próximos, casos
do ex-primeiro-ministro Mykola Azarov ou do secretário do Conselho da Defesa e
Segurança, Andriy Kluyev) é baseada na União Europeia, nomeadamente na Áustria.
Como podemos ver, em termos pessoais, a “ingerência ocidental” não o incomoda.
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O futuro do presidente Yanukovych... |
- A
Ucrânia não conseguiu andar pelo seu próprio pé, após a desagregação da
União Soviética?
Diferentemente
de Moçambique, que optou pelo saneamento quase total dos quadros ligados ao regime
colonial, Ucrânia decidiu incorporar a antiga elite soviética nas suas estruturas
pós-independência. Olhando para trás é possível dizer que foi cometido um erro
estratégico...
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Árvore de Natal revolucionária com uma bandeira moçambicana |
- Acha
que a Ucrânia é vítima de um novo Czar, chamado Putin?
A
Ucrânia actualmente é vítima de um grupo organizado, chamado Partido das Regiões
(base governamental) e de alguma inércia da nação ucraniana em se organizar e
caminhar na direcção da Europa.
- Considera
legítima a exigência da oposição ucraniana de demissão do Presidente, uma
vez que chegou ao poder através de eleições?
Considero
essa exigência absolutamente legítima, pois o actual Governo perdeu qualquer
legitimidade democrática quando optou pela criação dos autênticos esquadrões de
morte que raptam e matam os activistas; quando permitiu que polícia deliberadamente
espanque e persegue os jornalistas (mais de 150 jornalistas ucranianos e
estrangeiros feridos desde o início da Revolução); quando permite que a polícia
de choque use as balas de caça (!) para matar os manifestantes; quando decidiu
usar os elementos criminais (à semelhança das práticas da URSS estalinista dos
anos 1920-1950) para negar os direitos mais fundamentais dos seus cidadãos.
- Caso
haja eleições, poderá sair um Governo pró-Ocidente e anti-Rússia. Como é
que a Ucrânia irá sobreviver com um vizinho poderoso (a Rússia) hostil?
Creio
que eventual escolha pró-Ocidente e pró-Europa será sempre uma escolha pacífica
que não colocaria em perigo as soberanias dos países vizinhos. Em mais de 20
anos de sua independência, a Ucrânia nunca levantou qualquer pretensão
territorial aos vizinhos ou colocou em dúvida a sua identidade nacional. Por
isso, a escolha de se integrar na União Europeia não deveria assustar os
vizinhos da Ucrânia.
- Pode
a Ucrânia sobreviver sem o dinheiro russo e com eventuais sanções de
Putin?
A
Ucrânia, sem duvida, precisa de efectuar as profundas reformas económicas, país
deve optar pelas tecnologias energeticamente parcimoniosas, deve
obrigatoriamente investir na sua segurança energética (paradoxalmente, os
primeiros passos neste sentido já são feitos pelo actual governo). Já para
sobreviver, creio que aos ucranianos basta seguir os conselhos de um panfleto bastante
difundido nas redes sociais: “Queres viver na Europa? Coloque o lixo nos locais
próprios; não pague e não aceite os subornos; não bebe em demasia; respeite a
sua história e cultura, etc. Feito tudo isso, estarás a viver na Europa, sem
notar como isso aconteceu”.
- Como
reage às dúvidas dos EUA em relação à capacidade dos líderes da oposição
de reunificar o país, na era pós-Ianukovitch?
A
história mostra que os EUA confiaram no passado e confiam hoje em dia em líderes
muito mais enigmáticos, por assim dizer, do que a liderança da oposição
ucraniana. Além disso, o próprio Yanukovych está a fazer um trabalho notável em
unificação do país contra a sua própria figura e em apoio dos ideais mais liberais
e mais democráticos.
- Pessoalmente,
confia na liderança da oposição? Vitali Klitschko, o
ex-pugilista, é uma pessoa credível e capaz?
Confio moderadamente na oposição, pois vejo como a
Revolução molda e modifica os comportamentos dos seus líderes. Arseniy
Yatsenyuk torna-se mais decidido e forte, Klitschko evolui plenamente como
político, Oleh Tiahnybok opta pelo discurso mais liberal e é melhor
compreendido no Leste e Sul do país, etc.
- Vê
algum papel da ex-Primeira-Ministra Julia Timoshenko na actual crise
política na Ucrânia?
Creio
que Julia Timoshenko faz falta à oposição, com ela em liberdade, Yanukovych,
seguramente já estaria escorraçado do poder.
- A
prisão dela é política (como alega o ocidente) ou é criminal (como defende
o Governo de Ianukovitch)?
A
prisão dela foi e é claramente política, se ela fez a má escolha económica,
pagou quase imediatamente com a sua derrota nas eleições presidenciais; assim, a
sua prisão, tal como a prisão do ex-ministro do Interior, Yuri Lutsenko, não
passou de uma tentativa do Governo de aniquilar e calar a oposição democrática
ucraniana.
- Ela
terá algum papel no futuro da Ucrânia?
Em liberdade, Julia
Timoshenko será uma figura incontornável da política ucraniana.
Fim.