sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Presidente Ianukovitch dirige um Governo criminoso



Na Maydan no dia do início dos confrontos na rua Hrushevsky...

A minha entrevista sobre a situação na Ucrânia que foi publicada no semanârio moçambicano “Savana”, № 1050, páginas 10-11, "Internacional", de 21 de fevereiro de 2014.  

  1. Há quanto tempo vive em Moçambique? (idade, naturalidade, nacionalidade, estado civil – com moçambicana ou ucraniana).
Mais de 20 anos, tenho 39 anos de idade, sou natural da Letónia, moçambicano, casado com uma cidadã portuguesa, que desde sempre vive em Moçambique.
 
1968: é proibido proibir!
  1. Que faz em Moçambique?
Sou professor no ensino médio e secundário, tradutor, activista da comunidade ucraniana de Moçambique, blogueiro e cidadão.

  1. Como é que acompanha a situação na sua terra natal (Ucrânia)?
Acompanho geralmente através das redes sociais, pois são muito mais rápidas do que a imprensa tradicional, são mais honestas e espontâneas, pois não seguem as narrativas predefinidas dos governos ou grupos de pressão.

  1. Podemos olhar para a crise na Ucrânia como uma disputa entre o bloco EU/EUA e Rússia?
Não podemos de maneira alguma. A Revolução ucraniana é um processo de nascimento de uma nova nação política a a morte lenta e dolorosa das estruturas sociais, políticas e ideológicas, herdadas do regime soviético.
 
Na rua Hrushevsky no dia 20.1.2014
  1. Qual é a natureza da crise? É um problema socioeconómico ou ideológico?
Ambos. Em termos socioeconómicos, o regime actual não garante aos cidadãos o mínimo necessário, conhecido como o “pacto social”. Muito pelo contrário, a família do presidente e os seus amigos próximos praticam a verdadeira agiotagem da pior espécie, apoderando-se por meios semi-legais ou mesmo ilegais das empresas e dos negócios alheios. Sem maçar os leitores com exemplos detalhados, posso dizer que neste momento não apenas as PME’s, mas mesmo os oligarcas ou magnatas ucranianos não se sentem salvos dos apetites cada vez mais crescentes do Yanukovych e dos seus próximos.

Em termos ideológicos, as coisas são bastante favoráveis à Revolução, mais de 52% dos ucranianos apoiam o levantamento popular, apenas 15% são favoráveis ao uso da força governamental para a resolução da crise.  
 
Com um sacerdote greco-católico ucraniano (da UGCC)
  1. Como avalia a reacção do Governo do Presidente Viktor Ianukovitch à revolta popular na Ucrânia?
Como a reacção desproporcional de um grupo criminoso que se preocupa com a perca dos seus privilégios e não com os destinos da nação.  Numa democracia efectiva o governo deveria se demitir em bloco, marcando as novas eleições legislativas e presidenciais.

  1. Acha que são verídicas as acusações de violência, detenções ilegais, sequestros e desaparecimentos imputados ao Governo ucraniano?
Infelizmente, o actual Governo ucraniano realmente mata (entre 67 à 100 manifestantes mortos só no dia 20.2.2014); detêm as pessoas ilegalmente ou sob os pretextos forjados (até recentemente o poder manteve entre 1700 à 2000 detidos); sequestra (entre 27 à 29 activistas desaparecidos); humilha publicamente (caso do manifestante Mykhaylo Havrylyuk, totalmente despido e fotografado pela polícia); tortura, o caso mais conhecido é do porta-voz da “Maydan Automóvel” (activistas que usam os seus automóveis para apoiar a Revolução), Dmytro Bulatov, que foi raptado pela polícia num hospital público, torturado durante cerca de 8 dias (cortaram lhe uma parte da orelha, pregaram as palmas das suas mãos, etc.) e no fim libertado nos arredores de Kiev.  
 
Dmytro Bulatov após as torturas, durante a sua recuperação na Lituânia...
  1. Terá sido directamente afectado por esses alegados atropelos? Familiar detido, desaparecido ou em situação aflitiva pelo seu envolvimento nos tumultos?
A minha família na Ucrânia não foi atingida directamente; apenas posso relatar que na manha do dia 20 de Janeiro, em pleno luz de dia, assistindo os confrontos na rua Hrushevsky, foi testemunha ocular em como a polícia de choque “Berkut” disparava as balas de borracha e de plástico contra os jornalistas, fotógrafos, sacerdotes, pessoal paramédico, as pessoas que claramente não participaram em nenhum tipo dos confrontos. Em algum momento uma bala destes passou 2-3 metros ao meu lado...
 
Na rua Hrushevsky no dia 20.1.2014
  1. Olha para os confrontos na Ucrânia como a luta entre a liberdade (tese defendida pelos protestantes nas ruas) e a tirania (alegadamente personificada em Viktor Ianukovitch).
Vejo a Revolução em curso como uma forte vontade dos ucranianos (de todas as idades e de todas as regiões do país) de viver num país baseado no respeito pelos direitos individuais, na superioridade das leis universais, etc. Por outro lado vejo um restrito grupo de pessoas, ligado à família do presidente e em menor escala ao seu partido, que são dispostos à tudo, incluindo de usar os serviços pagos dos criminosos comuns (os famosos “titushki”), para agredir e amedrontar os seus concidadãos.

  1. Como olha para o Presidente Viktor Ianukovitch? Alguns dizem que é um fantoche de Vladmir Putin, mas outros consideram-no um patriota defensor dos interesses ucranianos contra a ingerência ocidental.
O presidente Victor Yanukovych não é nenhuma destas personagens imaginárias. Pequeno criminoso na sua juventude (cumpriu dois termos prisionais efectivos por assalto e roubo dos objectos pessoais), Yanukovych continua a viver numa mentalidade forjada pela sua passagem pelo sistema prisional soviético. Usa e abusa do calão prisional, tem uma cultura geral muitíssimo limitada (confunde constantemente os nomes, cidades, personalidades), escreve com os erros ortográficos gritantes, etc. Ao mesmo tempo, possui os instintos fortíssimos de sobrevivência e as capacidades invulgares para o enriquecimento pessoal. A retórica antiocidental é usada para conseguir as simpatias dos seus eleitores menos educados e mais incultos. Uma parte considerável dos negócios da sua família (e dos parceiros próximos, casos do ex-primeiro-ministro Mykola Azarov ou do secretário do Conselho da Defesa e Segurança, Andriy Kluyev) é baseada na União Europeia, nomeadamente na Áustria. Como podemos ver, em termos pessoais, a “ingerência ocidental” não o incomoda.
 
O futuro do presidente Yanukovych...
  1. A Ucrânia não conseguiu andar pelo seu próprio pé, após a desagregação da União Soviética?
Diferentemente de Moçambique, que optou pelo saneamento quase total dos quadros ligados ao regime colonial, Ucrânia decidiu incorporar a antiga elite soviética nas suas estruturas pós-independência. Olhando para trás é possível dizer que foi cometido um erro estratégico...
 
Árvore de Natal revolucionária com uma bandeira moçambicana

  1. Acha que a Ucrânia é vítima de um novo Czar, chamado Putin?
A Ucrânia actualmente é vítima de um grupo organizado, chamado Partido das Regiões (base governamental) e de alguma inércia da nação ucraniana em se organizar e caminhar na direcção da Europa.  

  1. Considera legítima a exigência da oposição ucraniana de demissão do Presidente, uma vez que chegou ao poder através de eleições?
Considero essa exigência absolutamente legítima, pois o actual Governo perdeu qualquer legitimidade democrática quando optou pela criação dos autênticos esquadrões de morte que raptam e matam os activistas; quando permitiu que polícia deliberadamente espanque e persegue os jornalistas (mais de 150 jornalistas ucranianos e estrangeiros feridos desde o início da Revolução); quando permite que a polícia de choque use as balas de caça (!) para matar os manifestantes; quando decidiu usar os elementos criminais (à semelhança das práticas da URSS estalinista dos anos 1920-1950) para negar os direitos mais fundamentais dos seus cidadãos.


  1. Caso haja eleições, poderá sair um Governo pró-Ocidente e anti-Rússia. Como é que a Ucrânia irá sobreviver com um vizinho poderoso (a Rússia) hostil?
Creio que eventual escolha pró-Ocidente e pró-Europa será sempre uma escolha pacífica que não colocaria em perigo as soberanias dos países vizinhos. Em mais de 20 anos de sua independência, a Ucrânia nunca levantou qualquer pretensão territorial aos vizinhos ou colocou em dúvida a sua identidade nacional. Por isso, a escolha de se integrar na União Europeia não deveria assustar os vizinhos da Ucrânia.

  1. Pode a Ucrânia sobreviver sem o dinheiro russo e com eventuais sanções de Putin?
A Ucrânia, sem duvida, precisa de efectuar as profundas reformas económicas, país deve optar pelas tecnologias energeticamente parcimoniosas, deve obrigatoriamente investir na sua segurança energética (paradoxalmente, os primeiros passos neste sentido já são feitos pelo actual governo). Já para sobreviver, creio que aos ucranianos basta seguir os conselhos de um panfleto bastante difundido nas redes sociais: “Queres viver na Europa? Coloque o lixo nos locais próprios; não pague e não aceite os subornos; não bebe em demasia; respeite a sua história e cultura, etc. Feito tudo isso, estarás a viver na Europa, sem notar como isso aconteceu”.  

  1. Como reage às dúvidas dos EUA em relação à capacidade dos líderes da oposição de reunificar o país, na era pós-Ianukovitch?
A história mostra que os EUA confiaram no passado e confiam hoje em dia em líderes muito mais enigmáticos, por assim dizer, do que a liderança da oposição ucraniana. Além disso, o próprio Yanukovych está a fazer um trabalho notável em unificação do país contra a sua própria figura e em apoio dos ideais mais liberais e mais democráticos.

  1. Pessoalmente, confia na liderança da oposição? Vitali Klitschko, o ex-pugilista, é uma pessoa credível e capaz?
Confio moderadamente na oposição, pois vejo como a Revolução molda e modifica os comportamentos dos seus líderes. Arseniy Yatsenyuk torna-se mais decidido e forte, Klitschko evolui plenamente como político, Oleh Tiahnybok opta pelo discurso mais liberal e é melhor compreendido no Leste e Sul do país, etc.

  1. Vê algum papel da ex-Primeira-Ministra Julia Timoshenko na actual crise política na Ucrânia?
Creio que Julia Timoshenko faz falta à oposição, com ela em liberdade, Yanukovych, seguramente já estaria escorraçado do poder.

  1. A prisão dela é política (como alega o ocidente) ou é criminal (como defende o Governo de Ianukovitch)?
A prisão dela foi e é claramente política, se ela fez a má escolha económica, pagou quase imediatamente com a sua derrota nas eleições presidenciais; assim, a sua prisão, tal como a prisão do ex-ministro do Interior, Yuri Lutsenko, não passou de uma tentativa do Governo de aniquilar e calar a oposição democrática ucraniana.

  1. Ela terá algum papel no futuro da Ucrânia?
Em liberdade, Julia Timoshenko será uma figura incontornável da política ucraniana.

Fim.

3 comentários:

  1. Parabéns, Dmytro. Gostei muito da entrevista.

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  2. Se a Ucrânia cometeu um erro estratégico quando decidiu incorporar a antiga elite soviética nas suas estruturas pós-independência, não quer dizer que Moçambique não o tenha cometido ao apostar na destruição da chamada burguesia colonial.

    Desconheço as condições ucranianas, mas um país do terceiro Mundo como Moçambique (com uma Frelimo a lembrar-nos constantemente que o colonialismo não nos deixou quadros nenhuns) não se pode dar ao luxo de desperdiçar o que é de valor e essencial: o mecânico, o pedreiro, o carpinteiro, o agricultor, o médico, o engenheiro...

    Os resultados estão à vista quando a Frelimo foi aos livros retirar o ensinamento (sic) de «contar as próprias forças».

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